O Jnane Tamsna é um hotel boutique luxuoso, situado no interior de uma propriedade privada no Palmeraie, um palmeiral histórico localizado a 20 minutos de Marrakech.
Com suas paredes amarelas solares e cercado por bouganvilleas brancas, o ambiente acolhedor é um mergulho na história da cidade. Jnane Tamsna já recebeu os estilistas Giorgio Armani e Jean Paul Gaultier, além de hospedar celebridades como Brad Pitt, Jennifer Aniston e David Bowie, esse último, amigo íntimo de MeryAnne Loum-Martin, a designer de interiores responsável pela criação desse pequeno paraíso marroquino.
MeryAnne me recebeu em Marrakech e contou tudo sobre a fundação do Jnane Tamsna, o primeiro hotel boutique da cidade e que hoje, é parte intrínseca da história marroquina. Um destino imperdível para quem gosta de viajar com conforto, exclusividade e muita boemia.
Samira Campos entrevista MeryAnne Loum-Martin, do Jnane Tamsna
Como foi a sua história com o design de interiores? Quando você sentiu que essa era a sua vocação?
Desde quando eu era criança, eu queria ser arquiteta. Isso desde os 10 anos de idade. Então eu me formei no colégio em Paris e comecei a faculdade de arquitetura, aos 16, na École des Beaux-Arts. Foi um tanto frustrante porque, mesmo que eu fosse boa nas matérias relacionadas à minha paixão, era péssima em física e matemática.
Isso fez com que eu abandonasse o curso e decidisse estudar Direito. Eu era uma advogada em Paris quando descobri Marrakech, que me trouxe a oportunidade de fazer o que eu realmente amo: construir e me dedicar ao design de interiores.
Detalhes do Jnane Tamsna. Imagem via Instagram @jnanetamsna
E você não sabia nada sobre Marrakech antes disso?
Não, nada! Meus pais, que moravam em Paris, queriam ter uma casa de férias em um país que tivesse charme, cultura, temperaturas agradáveis e, principalmente, estivesse localizado, no máximo, a três horas de avião da capital francesa.
Eles também não conheciam Marrakech, mas eu tinha um amigo que morava na cidade e me disse “olha, acho que Marrakech se encaixa em tudo que você deseja”. Foi aí que meus pais disseram “tudo bem, vá até lá e veja se você consegue encontrar um bom lugar para comprar”. Em 1985, eu cheguei aqui e imediatamente me apaixonei pelo lugar.
Encontrei o terreno perfeito, voltei com os meus pais e, em 1986, eles compraram terras que ficam a 10 minutos de onde estamos agora, onde eu desenhei uma casa para eles. Enquanto elaborava o projeto, eu sugeri que comprássemos um lugar maior, para construir uma segunda casa e transformá-la em um negócio: um hotel que transmitisse a verdadeira experiência Marrakech.
Eu não sabia que faria tanto sucesso! Recebíamos hóspedes do mundo todo. Celebridades, estilistas, todos eles vinham se hospedar conosco. Se alguém quisesse viver a verdadeira Marrakech Experience, Jnane Tamsna era o local correto. De repente, nós estávamos em todos os lugares. Architetural Digest, NY Times, Vogue Italia, Vogue UK…
Em 1992, eu me mudei para Marrakech para me dedicar inteiramente ao hotel. Minha família se mudou em 1996 e em 1999 eu restaurei um Rhiad maravilhoso, transformei em uma loja chamada “Rhiad Tamsna”. Tudo era único. Se você comprasse um xale, só existia aquele. Jóias, calçados, objetos de decoração, pinturas… todos eles eram peça única.
Foi tudo muito espontâneo, sabe? Eu fazia as coisas como sentia que elas deviam ser feitas e até hoje é assim.
Detalhes da arquitetura no Jnane Tamsna. Fotos: Flavia Dummer
Foto: Flavia Dummer
O que lhe deixa confortável? Qual é a parte da arquitetura que transmite essa sensação?
Eu me sinto confortável em um lugar que não parece ter sido projetado por um designer de interiores. Não gosto de entrar em um espaço onde tudo combina, as cortinas, as cadeiras… eu gosto de espaços onde você pode sentir que a estética foi construída ao longo dos anos, comprando coisas aos poucos.
A verdade é que eu sei criar essa estética imediatamente. Não preciso esperar 20 anos para que a casa ganhe esse aspecto. O segredo é comprar objetos que sejam ecléticos, criar um mood um pouco boêmio, com uma sensação espacial muito forte.
Quando as pessoas estão aqui, elas realmente sentem que estão no Marrocos, mas não é uma imitação de algo marroquino. Eu adicionei algumas coisas locais e então misturei com a minha própria história, que é mais europeia, porque cresci entre Londres e Paris. Então aqui é mais sobre a minha percepção, minha alegria de ser uma “exilada” em um país como o Marrocos, que eu adoro.
Fotos: Flavia Dummer
Você está no norte da África e tem uma família cuja origem está na África. Como é essa linhagem? O que você conhece sobre seus antepassados ?
Eu acredito que não é a parte africana da minha família que está mais conectada ao norte africano, mas sim a família que vem das ilhas do Caribe. Meu lado paterno veio do Senegal e meu lado materno das Antilhas Francesas.
Durante a história do Marrocos, milhares de espanhóis passaram por aqui e depois levaram a sua cultura para outros lugares, como as Antilhas Francesas. Eu lembro de estar andando pela Medina um dia e, ao entrar em um belíssimo Rhiad, com um pátio incrível e muitas sacadas, comecei a tremer. Porque ele lembrava uma casa da minha avó nas Antilhas. Os detalhes eram iguais! Essa linha é muito óbvia, as pessoas não pensam muito sobre isso, mas a conexão está aí.
Bouganvilleas no Jnane Tamsna.Imagem via Instagram @jnanetamsna
Me conta um pouco mais sobre as cores e as bouganvilleas brancas que compõem o Jnane Tamsna.
São cores terrosas. Marrom, bege, vermelho… que são, basicamente, os tons de Marrakech. As bouganvilleas brancas estão aqui porque, quanto meu marido desenhou o jardim, nosso acordo foi que não queríamos flores de todas as cores.
A ideia era mesmo um jardim verde e branco. As paredes são amarelas porque esse tom nos lembra do México, nós nos conhecemos em Oaxaca. Aqui, em Marrakech, você deve pintar as paredes da sua casa de tons terrosos, então todo mundo pinta de bege ou rosa.
Eu não queria aquilo e nós estamos em um local chamado “The White Village”. A terra aqui tem uma cor diferente, não é escura, então eu pensei: “já que estamos em um lugar com a terra diferente, vamos ser flexíveis nos tons terrosos e escolher o amarelo!”.
Imagem via Instagram @jnanetamsna
Você esteve no Brasil aos 18 anos, certo?
Sim! Aos 18, 19, 20. E depois de novo, quando eu tinha 33 ou 34. Mas faz tanto tempo… gostaria de visitar novamente.
No Brasil, você ficou hospedada na casa da família do cantor Jorge Ben Jor. Me conta um pouco mais sobre essa experiência.
Eu sempre fui apaixonada pela música brasileira. Lá pelos meus 16 anos eu só ouvia Toquinho, Vinícius, Maria Bethânia e Dorival Caimmy. Foi então que eu comecei a aprender a língua [portuguesa], através da música.
Naquela época a música brasileira estava muito hype em Paris. Todo mundo ouvia Caetano, Jorge Ben… um dia fui a um show do Jorge no Olympia. Eu tinha 17 anos e queria muito conhecê-lo. Não sou uma groupie, nada assim, mas consegui entrar no backstage e tinha um grupo de brasileiros lá e, como eu falava português, fingi que era brasileira.
Fiquei aguardando com eles e, de repente, lá estava Domingas [esposa do cantor]. Começamos a conversar, ela perguntou de onde eu era e eu disse que era parisiense. Domingas adorava Paris, mas não falava francês, então eu combinei de apresentar a cidade pra ela. Nos tornamos amigas e mantivemos contato. Naquela época não tinha internet. A gente escrevia cartas e um dia ela escreveu me convidando para visitar o Brasil e me hospedar com eles. Na próxima turnê em Paris, passei o tempo inteiro com os dois. Depois disso, recebi outro convite e viajei até o Brasil novamente.
Fotos: Flavia Dummer
Agora a Meryanne de Paris. Se uma pessoa for visitar a capital francesa, onde ela deve ir? Qual passeio não pode faltar?
O que eu mais amo são os mercados de pulgas. Marché De La Porte Vanves ou Marché Aux Puces De St-Ouen. Lá você encontra coisas únicas, todo o resto pode ser encontrado em qualquer lugar do mundo com uma boa loja de design de interiores. Mas quando você visita um mercado de pulgas, você vê a história.
Outra coisa que eu amo em Paris são as lojas dos museus. O Musée des Arts Décoratifs tem um gift shop adorável!
Vamos falar um pouco sobre a sua boutique. Você terá roupas, calçados, joalheiria e também a marca brasileira ethne. Certo?
Exato! Eu tenho um espaço enorme no Jnane Tamsna, logo atrás da piscina. Quero inaugurar uma boutique conceito, com uma pegada bohemian chic e móveis bem acabados, desenhados por mim e inspirados na Art Déco marroquina. Tudo isso será misturado à antiguidades, peças exclusivas e únicas. A minha linha de móveis poderá ser encomendada diretamente aqui, eu produzo e envio. No futuro, talvez tenha alguns tapetes também. Com certeza terei pinturas, cerâmica moderna e cerâmica tradicional marroquina.
Quando você entrar no espaço, a primeira coisa que vai enxergar é uma sala. Onde tudo está à venda. Depois você segue para o quarto e a mesma história se repete. No meio do quarto tem uma “sala de vestir”, onde você pode comprar os vestidos boho da ethne e sandálias desenhadas por mim, que serão um mix de tecidos feitos à mão e couro. Também teremos joias de designers africanos e uma coleção de almofadas feitas à mão no oeste da África.
Vai ter tudo que eu gosto e as coisas que eu gosto são uma mistura entre África, Índia, Marrocos e agora, também, um toque brasileiro com as peças da ethne.