Ah! As férias … Férias combinam com suspiro, com brisa quente. Férias são maravilhosas! Deveriam ser reconhecidas pela Unesco como patrimônio mundial. Férias são sinônimo de viver a pausa e simplesmente curti-la. Isso sim são férias.
Tô de férias
Eu não conheço ninguém que diga “não gosto de férias”. Seria como alguém que diz “eu não gosto de música” … Oi? Quando você fala “tô de férias”, dá um super prazer. Tipo quando você fala um palavrão, bem colocado. Sabe? Libertador! E não tem essa de cultura, religião, língua, taí um ponto que une a todos – as merecidas férias. Aceitas e valorizadas em qualquer ponto do mapa. São uma unanimidade. Tô aqui escrevendo e minhas cognições estão borbulhando. Sol. Praia. Castelo de areia. Azul. Água-viva. Conchinhas. Banho de chuva. Chuva de verão. Montanha. Verde. Primos. A bem da verdade, quando eu penso em férias, seja na praia, seja serra, ou mesmo numa incursão cultural, a minha cabeça aterrissa imediatamente em janeiro. Sim, janeiro – verão – férias. Mas o verão que é janeiro no Brasil, é agosto na França.
Agosto – o mês do desgosto?
Como uma boa leonina, nascida no mês de agosto, eu sempre me incomodei muito com esse adjetivo injusto. Mas finalmente encontrei quem pense diferente – sim, o francês! O francês A-M-A o mês de agosto. Sim, agosto – verão – férias. Sacou?
Seja um verão suave, como a sinfonia floral de Monet, interpretada diversas vezes sob o sol de Giverny. Seja um verão agitado e esmagado pelo sol, como intensamente eternizou Vivaldi. Pouca importa, é tempo de férias! E cá entre nós, a França faz um stop geral. É impressionante. Paris e as principais cidades francesas se esvaziam, fecham os comércios, fazem as malas e vão por aí…
Mais precisamente, eu diria que são 2 as opções de férias: casa de campo ou viagem ao exterior.
Férias na casa de campo
Em primeiro lugar vamos esclarecer: a casa de campo não necessariamente fica no campo. Ela é uma casa secundária. E a tendência das férias de agosto é muito clara: reunir a família nessa casa. Um lance “de volta as origens”. Explico! Ao contrário do que muitos brasileiros pensam, França não é sinônimo de Paris. A França é na realidade um país bastante rural, porém 1/3 da população francesa vive em Paris. Os filhos saem de casa para estudar nas grandes universidades e escolas das principais vilas como: Paris, Lyon, Marseille, Lille, Bordeaux e seguem suas vidas profissionais nessas cidades. Voltam nas férias. De volta pra casa. E há quem volte pro castelo. Sim, castelo – não é uma metáfora!
Rápida divisão de classes:
– Alta burguesia + aristocracia: em média possuem 1 casa de campo e/ou 1 castelo + 1 casa de praia em condomínios fechados, em guetos riquíssimos. E é claro, se frequentam entre si. Sperone (na Córsega), le Cap-Bénat (em Hyères), les Parcs (em Saint-Tropez), domaine de Terre-Blanche (em Var) são alguns exemplos desses “clubinhos” acessados por poucos.
– Média burguesia: podem possuir ou não a casa de campo – neste caso, em geral, ou alugam uma casa de férias entre familiares e amigos, ou viajam para os famosos villages e clubs de vacances. Club Med – o mais top. Belambra – o mais acessível.
– Baixa burguesia: não possuem casa de campo. Mas passam as férias muito felizes no camping. Camping na França = uma experiência muito legal! Diversas famílias se organizam todos os anos para curtir o camping e toda a troca que vem daí.
Tá dando pra ver que férias na França é coisa bem séria né?! Então, pra finalizar, o clássico! Férias no exterior.
Férias no exterior
Trecho da obra: Antologia Poética, Murilo Mendes. 1976.
Quem um dia dançou os pés do outro?
Todos os que dançam, todos
Apenas dançam os próprios pés.
Amo. Amo a possibilidade de me lançar no exterior. A sensação de desbordar um limite e gentilmente descobrir o novo, o diverso. Viver um sonho novo. E então, ver com os olhos do primeiro olhar. Isso é único. Fascinante.
Ah! As férias …
Podemos dividir os viajantes em 2 grupos diferentes. O que segue à risca os manuais de turismo. E o que se arrisca, se joga, se perde. Eu diria que o francês é mais ousado que o brasileiro, no que quesito viagem de férias. Que tipo de viajante é você?
Em 1605, Cervantes publicou Dom Quichotte. Um dos romances mais importantes da literatura mundial e suas interpretações são muitas: comicidade, sátira social, análise política.
Um louco ao seu tempo, ele recusa a realidade e seus olhos só enxergam aquilo que ele leu nos livros. Dom Quichotte não viaja por amor a viagem. Ele viaja para constatar e viver a fantasia alheia. Para perder-se no sonho do outro.
De fato, existe essa relação entre ler e viajar. Sempre existiu. Uma espécie de amálgama entre o livro e a experiência da viagem. Os livros de hoje se chamam blogs de viagem – e as vezes guia. Guia de férias. Seus seguidores são fiéis, com hábitos que não mais são considerados um devaneio. E as férias seguem sua doutrina fundamental – a que estava escrita. Tudo planejado, tudo antecipado. E então um orgasmo turístico acontece: a realidade coincide com o que está escrito no guia. “Uau, é exatamente como o guia disse! A realidade não está errada. Esse guia é realmente excelente.”
“Perder-se também é caminho” – Clarice Lispector.
E pousamos então no segundo grupo de viajantes ao exterior, os que se perdem por prazer. Perder-se em Veneza – quem nunca? Montaigne, representante ilustre da Renaissance francesa, um viajante apaixonado, dizia: “eu não conheço nenhuma escola melhor para formar a vida, do que colocar constantemente diante de nossos olhos a diversidade de tantas outras vidas, opiniões e usos”. E assim são as férias daqueles que – como eu – se jogam. A incerteza da jornada é a doutrina fundamental.
Sem antecipar historias. Sem resgatar historias. Viver aqui, com tudo que o envolve. Não sei se Montaigne praticava meditação naquela época. Mindfulness é muito moderno pra ele. Mas curtia umas boas férias. Ah, isso sim! Viajava sem rumo. Aberto às solicitações do mundo. Filosofo escritor, em um movimento incessante entre linguagem e pensamento, disse: “viajar é como ler. É uma metáfora da vida”.
Ler é já viajar.
As férias vão e vem
Sim, ler é já viajar. Mas as férias se realizam mesmo, não por imagens, textos, documentários. Elas se realizam nos olhos, no cheiro, no gosto. As férias são férias na distancia. Aprendizagem. Desconforto. É preciso sair do sofá para viver as férias. E num exercício leve e descontraído, dizer: não sei. Não conheço. Não entendi. O que seria da evolução humana se não tivéssemos férias?
Mas a Terra é de fato redonda. A gente vai. Vai mais longe. Vai mais longe. E volta.
Ioiô. Como é bom voltar pra casa! E a bagagem sempre volta mais interessante do que foi. E você não é mais o mesmo que partiu. E as fotos foram tiradas com o seu olhar. São únicas. Suas. E de souvenir, historias. Suas. E como é bom voltar pra casa.
Penso em Amyr Klink e seu livro Mar sem fim: “Tanto mar, invés de nos separar, nos uniu. Em 141 dias de ausência, do início ao fim, o Parati fez a sua volta e retornou a Jurumirim. A Terra é mesmo redonda. Ao longo do caminho, pensando bem, nem vento, nem ondas, nem gelo tão ruins, porque no fim, nada impediu meu veleiro de voltar inteiro à sua baía. E nada foi melhor do que voltar para descobrir, abraçando as três, que o mar da nossa casa não tem mesmo fim”.
Poema: Do caderno de Aprendiz, Manoel de Barros. 2010.
Eu queria ser banhado por um rio como
um sítio é.
Como as árvores são.
Como as pedras são.
Eu fosse inventado de ter uma garça e outros
pássaros em minhas árvores.
Eu fosse inventado como as pedrinhas e as rãs
em minhas areias.
Eu escorregasse desembestado sobre as grotas
e pelos cerrados como os rios.
Sem conhecer nem os rumos como os
andarilhos.
Livre, livre é quem não tem rumo.
Oi , Mari
Faz pouco tempo que comecei a ler Paris Mania e, confesso, tem sido um prazer. Parabéns, a leitura dos seus textos flui! Hoje aprendi algo com a leitura. Tenho uma viagem marcada para Buenos Aires e Sacramento e uma sentença chamou minha atenção “sem antecipar histórias”. Estava procurando aqui e ali o que fazer por lá e dps de ler seu texto coloquei um ponto final. Uma viagem tem que ser cheia de surpresas e aguçar os seus sentidos. Obrigada! Abraços, Esmylna (Campinas, SP)
Há muito tempo eu não lia algo tão fácil e gostoso de entender. Já tentei explicar porque amo tanto viajar. Só hoje eu consegui ler algo q falasse por mim. Obrigada!!!
Parabéns Mari, o Paris Mania está show. Adoro Paris, um dos meus lugares preferidos no mundo.
Siga em frente com essas dicas para que as pessoas conheçam cada vez melhor esta cidade sensacional. Bjo Grande.