Givenchy me trouxe até a França. Da adolescência classe média aos holofotes da publicidade, acumulei experiência. Vivi pra caramba. Colecionei histórias. E cheguei aqui com ele a tiracolo. É mais ou menos assim…
Com 28 anos me separei do meu primeiro casamento e decidi: vou comprar uma bolsa Givenchy e a partir dai serei inatingível. Era meu primeiro item da marca e era azul, o que enchia meu coração de esperança. No mesmo período comecei a tomar colágeno – sim, tomar – e também decidi me mudar para Ipanema. Era uma combinação perfeita, inimaginável na Tijuca, bairro de classe média da zona norte carioca, onde eu nasci e cresci.
Rio quarenta graus e Givenchy ao meu lado
De alguma forma, algo me tornava próxima a ele. A bolsa. Eu usava e automaticamente me sentia muito elegante. Ele tinha esse poder. Eu explico. O aristocrata da moda, como é conhecido, nasceu em 1927 e abriu sua primeira Maison em 1952. Um ícone da elegância. Com sua musa eterna, ninguém menos que Audrey Hepburn, formou uma parceria revolucionaria, estabelecendo um novo parâmetro à moda: a sofisticação simples. E assim, num mix de Grace Kelly e Audrey, com uma pitada de Tijuca, eu entrei maravilhosa na casa dos 30.
De bolsa, passei a vestidos e saias – cada vez mais próxima a ele, mesmo não o tendo conhecido pessoalmente… peu importe. Jackie Kennedy. A essa altura, eu já era responsável pelo departamento de marketing de uma importante TV brasileira. Em meio a coquetéis e eventos, me lembrava do momento histórico em que o general de Gaulle, elogia Jackie, que portava um clássico Givenchy: “Neste vestido, Madame, você parece um Watteau”, fazendo referencia ao celebre pintor francês do século XVIII. E cá entre nós, não deve ter sido fácil servir Louis XIV por 6 anos. Palmas para Watteau. Palmas para Jackie, Audrey e pra mim, que aos 36 anos me separava do meu segundo casamento.
Num ataque de ciúmes e fúria, Brigitte – minha gata querida – arranhou a bolsa azul, que então deixou de ser bolsa e passou a ser casinha de Brigitte. Foi como um elo partido entre mim e Givenchy. Sofri. Desapeguei. Comprei uma bolsa nova. Vermelha, porque, já quase nos 40, é preciso desviar a atenção do corpitcho. É preciso também focar mais em estudos. E eu foquei. Cheguei na França há 1 ano para estudar ciências políticas.
Conheci gente e coisas interessantes
Comecei e parei o ballet. Aprendi a cozinhar. E descobri que muitas vezes cinza é a cor mais quente. Voltei a comer carne – parece que proteína ajuda a manter o viço da pele. Me casei pela terceira vez. Passei a curtir soldes e brechós. E já estudei um bocado de coisas. Descobri que a 1ª guerra mundial foi muito sangrenta e de fato alterou o modelo social da época. Os franceses imaginavam terminá-la em poucos meses e no entanto se arrastou por anos. Já sem energia para continuar, franceses e alemãs firmam um acordo, estabelecendo o seu fim. Tudo certo, mas quem ficou para trabalhar nas usinas e fazer a economia girar esses anos todos? As mulheres.
Aqui nasce o comecinho do movimento feminista. Após anos trabalhando para suprir a ausência de homens nas cidades, essas mulheres iniciam suas primeiras reivindicações quando a guerra termina: votar, estudar, trabalhar e é claro, se vestir como bem entendem. A moda feminina rapidamente começa a se reinventar, seja mais confortável, seja mais sofisticada.
Anos 50, pós 2ª guerra mundial, momento de ouro da Haute Couture. É também período do american way of life como produto de exportação. Início da guerra fria. Triunfo das grandes produções hollywoodianas. E Givenchy surfa nessa onda toda. Ele lança a sua primeira coleção, já bombástica, composta por peças separáveis, combinadas à vontade do freguês, ou melhor da freguesa – deu voz as mulheres. Era o fim do conjuntinho – como eu amo isso! Não muito tempo depois, ele se integra ao cinema, coleciona alguns Oscars de figurino e então conquista o apelido « d’enfant terrible de la couture ».
No final dos anos 80, a marca Givenchy é vendida para o grupo LVMH. O luxo se torna pop. E em 1995, Hubert se aposenta dos negócios.
Não consegui me despedir de Hubert de Givenchy…
Li sobre a notícia de sua morte dois dias após o falecimento. Ele morreu no dia dez de março de dois mil e dezoito. Morreu dormindo. Achei muito chic, mas confesso que fiquei triste. Brigitte – que Deus a tenha – deve estar feliz com o reencontro.
Vou tomar um café e abrir meu armário e relembrar meus tempos de Tijuca, em que eu assistia TV sem filtro e já colecionava comportamentos na memória.
Delícia de texto! Me identifiquei em várias passagens!