Hashtag humor francês. Você sorriu? Gargalhada é para poucos. Não necessariamente uma comédia. Cada um fala no seu tempo. Não aumenta o tom. Nem tudo são flores quando o assunto é o humor francês. Especial, não?
O bom humor francês
E você concorda comigo que o humor brasileiro também é especial? Eis aí um grande patrimônio do nosso povo, o bom humor de todas as horas. Capaz de perceber – a alma da mais linda flor, de mais ativo olor, que na vida é preferida pelo beija-flor – amo Pixinguinha! E capaz também de satirizar política, miséria, racismo…
Organizando: de um lado do Atlântico, o país que tem palmeiras onde canta o sabiá exalta o sorriso como patrimônio cultural. Do outro lado, no país de « Liberté, Égalité, Fraternité » a expressão « c’est pas mal » é elogio nacional.
Agora pensa comigo, eu havia recém desembarcado na França com quatro malas nas mãos e muitas estrelinhas douradas na memória. Um peixe fora d’água. Com lenço e sem documento. Carente de amigos e em busca de um elogio – leonina, né?! Eis então que, resultado de um trabalho, eu recebo o seguinte comentário de um professor: « não está mal ». Eu fiquei arrasada por dias, até ouvir de novo o mesmo elogio e de novo e ainda hoje. Com muito bom humor e uma bagagem de 15 anos de análise, sacodi a poeira e resolvi investigar melhor essa história. Compartilho aqui com vocês.
Se o conceito tristeza + melancolia + rabugice é cultural na França – há quem defenda – seus traços mais profundos se encontram na literatura. De grandes pensadores franceses à uma Biblioteca Nacional que contabiliza em torno de 4 milhões de documentos, a literatura francesa protagoniza uma certa tradição pessimista. Eu diria um humor de sofrência mesmo… Onde nada é todo preto ou todo branco. A travessia se faz no cinza.
O humor cinza da literatura francesa.
Se aqui evocamos os tons de cinza, não se trata de uma homenagem à Christian Grey. Mas uma provocação: grandes pensadores da humanidade vestiram-se de cinza e mudaram o mundo. Estamos de acordo que XVIII foi um século muito importante, mas nem só de movimento Iluminista se faz a França. Esse costume remonta do século XVII com Descartes. Ele introduz a dúvida como instinto do pensar filosófico e pouco a pouco um certo humor questionador, mas também pessimista, se consolida.
Humilde lista de ídolos para exemplificar:
Victor Hugo eternizou « Gavroche », personagem de « Os Miseráveis » que cantava: « Je suis tombé par terre, c’est la faute à Voltaire. Le nez dans le ruisseau, c’est la faute à Rousseau » em referência a falta de otimismo e alegria nas colocações desses dois grandes pensadores. Além disso, o próprio Victor Hugo em seu poema « Melancholia » evoca o prazer de ser triste – poema este que integra os programas escolares na França e ensina aos estudantes a beleza artística do humor morno.
Baudelaire, por sua vez, tem o sofrimento como sujeito central de alguns de seus poemas. « Les fleurs du mal » traduz bem a sua alma perturbada e ao mesmo tempo caridosa.
Albert Camus lançou em 1957 – mesmo ano em que recebeu o Nobel de Literatura – «L’Exil et le Royaume». Composta por seis contos, a obra reúne personagens com um ponto em comum, o fracasso – e um humor insatisfeito, a que chama de Exílio. A dificuldade de encontrar plenitude e felicidade, traduzidas por Reino, perpassa todos os personagens. Cada personagem possui um curso próprio. Mas a cima de tudo é especial notar que a obra se alterna entre 3 cenários: Argélia, um bairro burguês de Paris e uma aldeia no Brasil.
Se Sartre tivesse sido um jovem fanfarrão, teria a França oferecido o existencialismo ao mundo?
É primavera, te amo! Pronto! Vamos então falar de flores. Por trás desse diagnostico peso pesado podemos encontrar algumas virtudes. É notório que os franceses encontram prazer nisso e não é pra menos. O mesmo mal humor melancólico que lhes é conferido pelos que estão do outro lado do Atlântico e da Mancha, também é fonte de criatividade e destaque nas artes em geral. O ceticismo e a recusa de auto-satisfação permitiram uma inovação cultural considerável.
Hoje em dia, eu já pratico o « c’est pas mal ». Entendo que por trás dele há muito respeito e reconhecimento. Certa vez, um amigo me disse assim: Pas e Mal são 2 palavras de negação, então se menos com menos faz mais, muda tudo! Vira uma questão cartesiana. O resultado é positivo. E talvez seja isso mesmo que os franceses exportam, uma maneira planejada e engajada de viver.
Simone de Beauvoir. Livro « La Cérémonie des adieux ». Publicado em 1981. « Quando éramos jovens e, ao final de uma discussão apaixonada, um de nós triunfava ostensivamente, dizia ao outro: você está enclausurado! ». O livro relata os 10 últimos anos da vida de Jean-Paul Sartre.
Mais do que pessimismo ou mal humor, o que há por trás disso tudo é um prazer enorme em fazer do debate um esporte nacional. A cima de tudo, eles são os grandes diplomatas da história.
Mari, artigo sensacional. Adorei.☝
Mari, maravilhosa abordagem sobre o humor dos francês.
Mari, mto bom o artigo sobre a tão falada falta de humor dos francese.
Mari,sensacinal!! Os franceses tem sorte de ter voce por ai, e os brasileiros podem se orgulhar.
Dei umas boas risadas com seu artigo. Como.posso continuar os recebendo?
Bom dia,
Podemos colocá-la no nosso mailling de artigos diários do Paris Mania, que publicará todos os artigos, dos quais o da Mari. Que que o façamos ? abç Equipe Paris Mania